Qual é a função de um deputado?
- Gustavo Milioli
- 31 de mar.
- 4 min de leitura
*Por Aginero Junior
“O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto.” – Tiririca
A célebre frase do candidato Tiririca na propaganda eleitoral de 2010, ainda antes do advento das redes sociais, ficou marcada na memória dos brasileiros pela originalidade. À primeira vista, pareceu apenas uma piada bem humorada, por parte do humorista que, de forma inteligente, usava suas técnicas para cativar o eleitor em sua campanha ao parlamento. Ou, ainda, de forma despretensiosa, representava alguém que não levou muito a sério o pleito eleitoral e foi surpreendido positivamente pelo resultado das urnas.

Por outro lado, a mesma frase, que arrancou gargalhadas dos espectadores e revelou o aparente contraste entre a declarada inaptidão e a seriedade do cargo almejado, despertou uma reflexão importante aos olhos do público mais analítico: afinal, quantos cidadãos que elegem seus representantes realmente sabem o que faz um deputado federal? Ou um deputado estadual? Ou mesmo um vereador de seu município?
Uma pesquisa recente, encomendada pelo Instituto Cidades Sustentáveis ao IPEC, revelou que 69% dos eleitores não se lembram em quem votaram para deputado federal em 2022, ou seja, cerca de 7 a cada 10 eleitores.
Neste cenário, considerando a relevância das atribuições parlamentares para o cidadão em geral, somada ao baixo interesse pelo acompanhamento das atividades parlamentares (tanto que o eleitor médio sequer lembra em quem votou na última eleição), pode-se estimar que um percentual baixíssimo da população desperta interesse pelas atribuições dos deputados.
É importante destacar que este artigo não tem o condão de esgotar o tema das competências do Poder Legislativo, nem abordar exaustivamente todas as formas de atuação dos parlamentares, mas instigar o leitor a se aprofundar no assunto e acompanhar mais de perto o trabalho de seus representantes.
Para compreender o papel de um deputado, é essencial, antes de tudo, entender que ele integra o Poder Legislativo, responsável, primordialmente, pela criação das leis que regem a sociedade brasileira. Assim, suas competências, ou seja, as suas funções, estão previstas expressamente na Constituição da República, promulgada em 1988.
Segundo NETTO (2023, p. 13), as funções do Poder Legislativo se dividem em típicas (próprias) e atípicas (impróprias). As funções típicas são, como dito acima, legislar, elaborar e modificar leis, e fiscalizar as ações do Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos). Já as funções atípicas envolvem administrar, como na gestão interna das Casas Legislativas, e julgar, nos casos previstos na Constituição.
Deste modo, um parlamentar, seja ele federal, estadual ou municipal (vereador), pode apresentar projetos de lei, fiscalizar obras e contratações públicas e, excepcionalmente, atuar em julgamentos, como no caso dos crimes de responsabilidade dos governantes.
É fundamental que o eleitor conheça esses mecanismos de atuação para que possa exercer cobranças coerentes e acompanhar o mandato do candidato que decidiu apoiar e dar seu voto de confiança para representá-lo no parlamento.
Um ponto que merece atenção é que a atuação do deputado sob a ótica legislativa não se resume a apresentar projetos de lei, mas também a se posicionar, orientar seus colegas e votar em matérias apresentadas por outros agentes. É importante ressaltar que a grande maioria dos projetos de maior impacto submetidos à deliberação no Parlamento não são de origem parlamentar, mas sim do Poder Executivo, que é a quem está reservada a competência para fazer a gestão do orçamento público.
Projetos de grande impacto, como as grandes reformas, trabalhista, previdenciária e tributária, que ocorreram recentemente, foram iniciativa do Poder Executivo e levadas à chancela dos parlamentares. Nesse contexto, a influência de um parlamentar pode ser decisiva para o sucesso ou fracasso dessas medidas. Por isso a importância do acompanhamento pelo eleitor dos posicionamentos de seus representantes diante de decisões que irão influenciar sua vida e das próximas gerações.
A título de exemplo, em Santa Catarina, a Lei Complementar nº 848, de 22/12/2023, alterou substancialmente a estrutura previdenciária dos servidores públicos do Regime Próprio de Previdência Social do Estado de Santa Catarina, instituindo a chamada “segregação de massa de segurados”, que dividiu os segurados do RPPS/SC em dois grupos distintos, os quais passaram a integrar o Fundo de Repartição (SC SEGURO) e o Fundo em Capitalização (SC FUTURO). A despeito do mérito dessa medida, votar a favor significou avalizar que os servidores que ingressaram no serviço público a partir de janeiro de 2024 passassem a contribuir para um Fundo de Previdência diferente do Fundo até então responsável pelo custeio dos benefícios previdenciários atuais e futuros dos servidores que entraram no serviço público até antes dessa data. Trata-se de uma mudança que se refletirá diretamente na vida dos catarinenses pelas próximas décadas.
Outro exemplo, adstrito ao estado de Santa Catarina, voltado à atividade fiscalizatória do Poder Legislativo, diz respeito à atuação da Comissão Mista que investigou os fatos que ocasionaram o rompimento do reservatório R4 da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, no bairro do Monte Cristo, em Florianópolis/SC. Tal investigação entregou aos órgãos de controle do estado um relatório final de 145 páginas, com mais de 200 anexos, contendo informações que foram fundamentais para o prosseguimento das investigações nos respectivos órgãos.
O deputado, portanto, tem um papel indispensável nas grandes mudanças estruturais que são conduzidas nas políticas públicas e na atuação dos gestores públicos de um estado ou de um país, e vai muito além dos slogans de campanha ou dos vídeos publicados em redes sociais. A atuação parlamentar é séria e exige responsabilidade, comprometimento e respeito aos eleitores.
Por isso, a relação entre eleitor e representante deve ser uma via de mão dupla, cabendo ao parlamentar agir com transparência e ao eleitor o acompanhamento do seu trabalho para criticá-lo com propriedade quando necessário.
*Advogado e assessor jurídico do deputado Mário Motta
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